Sexta-feira, 22/Abril
14h –
Recepção, credenciamento – crachá, distribuição de lanche.
(Animação, Feira de Saberes e Sabores, Orientações aos participantes)
17h – Ato
de Abertura
Apresentação do Objetivo do 10º Encontro Nacional Fé e Política
18h –
Celebração Ecumênica
19h –
Deslocamento para hospedagem
Sábado, 23/Abril
8h –
Acolhida e animação
8h30min – Mística de Abertura
9h – História do Movimento Fé e Política
9h20 – Painel: Entendendo as Crises
9h50 – Animação
10h – Palestra: Águas da Solidariedade, Convivência com o Semiárido
10h50 – Animação
11h – Palestra: Sementes de Esperança
11h50 – Animação e orientações para as atividades dos grupos temáticos
12h – Almoço
13h30 – Deslocamento para atividades dos grupos – Bloco CAA.14h –
Atividades dos Grupos Temáticos
17h – Deslocamento para o Ginásio
17h30 – Ato Cultural – Valorizando as culturas para promover integração.
19h – Deslocamento para hospedagem
Domingo, 24/abril
8h –
Acolhida e animação
8h30 – Celebração Inter-religiosa
9h30 – Registro de presença de Agentes Políticos
9h40 – Conferência: Espiritualidade do Cuidado com a Vida
11h – Testemunho de vida + relato de experiência
11h40 – Agradecimentos
11h50 – Ato de encerramento com uma Bênção e Ciranda
12h30 – Almoço e despedida
Grupos Temáticos
N° Temas
1 Grandes Projetos e seus
impactos sociais e ambientais
2 Decrescimento e
Economia Solidária
3 Agroecologia, Sementes e Segurança
Alimentar
4 Bem Viver: novo paradigma
político
5 Juventudes e transformação social
6 Crise climática: desafios
e alternativas
7 Matriz Energética: hegemonia
e alternativas
8 Crise do modelo “Partido”
de participação política
9 Movimentos Sociais: memória
e novos desafios
10 Saúde: mercantilização
e resistências
11 Educação: políticas e projetos
12 Terra e Territórios tradicionais
13 Caminhada da Igreja Católica
do Nordeste: reflexões teológico-pastorais
14 Culturas e protagonismo popular
15 Mulheres, igualdade
e empoderamento
16 Racismo e intolerância
17 Diálogo Interreligioso e Ecologia
18 Espaço Urbano e Direito à Cidade
19 Espiritualidade Militante
20 Fundamentos bíblicos do Bem viver
21 Resíduos sólidos e
alternativas sociais e ambientais
22 Democratização da mídia para o bem
viver
N° Temas
1 Grandes Projetos e seus
impactos sociais e ambientais
2 Decrescimento e
Economia Solidária
3 Agroecologia, Sementes e Segurança
Alimentar
4 Bem Viver: novo paradigma
político
5 Juventudes e transformação social
6 Crise climática: desafios
e alternativas
7 Matriz Energética: hegemonia
e alternativas
8 Crise do modelo “Partido”
de participação política
9 Movimentos Sociais: memória
e novos desafios
10 Saúde: mercantilização
e resistências
11 Educação: políticas e projetos
12 Terra e Territórios tradicionais
13 Caminhada da Igreja Católica
do Nordeste: reflexões teológico-pastorais
14 Culturas e protagonismo popular
15 Mulheres, igualdade
e empoderamento
16 Racismo e intolerância
17 Diálogo Interreligioso e Ecologia
18 Espaço Urbano e Direito à Cidade
19 Espiritualidade Militante
20 Fundamentos bíblicos do Bem viver
21 Resíduos sólidos e
alternativas sociais e ambientais
22 Democratização da mídia para o bem
viver
Inscrições:
http://fepolitica.org.br/inscreva-se/
http://fepolitica.org.br/inscreva-se/
10° Encontro Nacional de Fé e Política
Data: 22 a 24 de abril - 2016
Local: Campina Grande - Paraíba
Inscrições: R$ 50,00
Em setembro teremos a programação e data para abertura das inscrições
Local: Campina Grande - Paraíba
Inscrições: R$ 50,00
Em setembro teremos a programação e data para abertura das inscrições
Preparar o 10º Encontro Nacional de Fé
e Política:
Bem-viver: águas da solidariedade e sementes de esperança
Bem-viver: águas da solidariedade e sementes de esperança
Pedro
A. Ribeiro de Oliveira
O 10º Encontro Nacional de Fé e
Política acontecerá em
Campina Grande – PB, de 22 a 24 de abril de 2016. Preparar-se para
participar não é somente marcar na agenda, pagar a inscrição e combinar a
viagem com um grupo de Fé e Política.
Preparar é também entrar em sintonia com o espírito do Movimento Fé e
Política (MF&P) e
colocar-se a par da temática a ser ali apresentada e debatida. Este artigo tem
por finalidade apresentar o MF&P
e puxar a reflexão sobre a importância do Bem-viver no atual momento histórico.
Gênese
e primeira fase do Movimento Fé e Política
A abertura política do início dos anos
1980 suscitou questões práticas e teóricas para muita gente ligada às
Comunidades Eclesiais de Base ou alguma Pastoral popular. Percebíamos que o
movimento sindical, a luta pela terra, a associação de moradores e tantos
outros movimentos populares tinham uma dimensão política, mas nos faltavam
instrumentos adequados para influir nos rumos do Estado. A ditadura militar
desmoralizou a atividade partidária, que deixou de ser a disputa entre
representantes de diferentes interesses sociais para tornar-se uma negociata de
cargos e vantagens. Líderes políticos que não se deixavam corromper por um
cargo eram exceções que confirmavam a suspeita geral contra a política. Na
busca de meios novos de ação, os movimentos populares fizeram importantes
experiências no campo da política partidária, como as prefeituras conquistadas
pela Corrente popular do PMDB em Mato Grosso , a participação em campanhas
eleitorais e a criação do PT.
Essas experiências trouxeram à tona o
lugar dos cristãos na política partidária. Foi então produzido um conjunto de
textos que despertaram muita reflexão[1]
e disso resultou um encontro de cerca de 30 pessoas, no Rio, em junho de 1989.
Unidos pela Fé cristã engajada nas lutas populares, afinidade de pensamento e
de práticas, laços de amizade e sintonia no campo da ética, éramos vistos por
aliados como “cristãos progressistas” enquanto os adversários nos qualificavam
como “igrejeiros”. Ao decidirmos explicitar nossa identidade, criamos o Movimento Fé e Política. Ficou
claro que não deveríamos formar um Partido próprio, nem ser uma tendência no
interior do PT. Deveríamos, contudo, organizar-nos para não dispersar nossa
capacidade de influência nos movimentos sociais e no próprio PT, onde éramos
muito numerosos na base, mas pouco influentes nas cúpulas.
Como meios para consolidar essa
identidade e favorecer ações articuladas, nos propusemos a promover encontros
de estudo, dias de espiritualidade e oração, e publicar cadernos de reflexão. O
MF&P nunca seria uma ONG, mas queria ser uma rede, um conjunto de
grupos de Fé e Política espalhados pelo país. O quanto possível,
articularíamos essa grande rede através dos Cadernos de Fé e Política e
encontros. Foi então que, com muito esforço, conseguimos publicar 15 cadernos[2],
promovemos vários encontros de estudo sobre temas específicos, bem como retiros
e dias de espiritualidade. Tudo para alimentar e dinamizar a rede de grupos.
A conjuntura dos anos 1990, porém, era
outra. A vitória do capitalismo neoliberal foi um desastre: rompeu
unilateralmente o pacto social construído na elaboração da Constituição cidadã de 1988 e deu ao mercado, agora
globalizado, enorme liberdade. Também a realidade religiosa havia mudado: na
Igreja católica, o processo de restauração
identitária ganhou a cúpula eclesiástica e ameaçava todo trabalho de base,
enquanto o avanço neopentecostal minava o movimento ecumênico até no campo
evangélico. As posições políticas conservadoras ganharam força, alegando
defender a vida intrauterina e a família, enquanto projetos políticos de
mudança estrutural na economia eram chamados de “ideologia”. Naquele contexto,
nosso esforço quase não dava frutos: pouca gente participava dos encontros ou
adquiria os Cadernos que tanto nos custava produzir.
Apesar disso, o impulso inicial estava
dado: menos de 10 anos após a criação do MF&P, já existiam no Brasil
muitos grupos de “Fé e Política” (com ou sem esse nome), o Movimento Evangélico
Progressista era atuante, muitas dioceses incentivavam a Pastoral política e
foram criadas Escolas de Fé e Política[3].
De fato, muitos grupos nasceram e desenvolveram excelentes trabalhos de
conscientização e articulação política, embora nem sempre ligados ao MF&P.
Na
virada do século, a segunda fase do MF&P
Reunidos em janeiro de 1998, em São Paulo constatamos a
realidade de muitos cristãos e cristãs com prática política amadurecida, mas
sem espaço eclesial para a vivência da Fé. Para animá-los, o MF&P decidiu promover Encontros Nacionais.
Foram realizados:
Ano
|
Local
|
Tema
|
Participantes
|
2000
|
Santo André SP
|
Mística da Militância
|
quase 3.000
|
2002
|
Poços de Caldas MG
|
As razões de nossa Esperança
|
4.000
|
2003
|
Goiânia GO
|
Conquistar a terra prometida
|
6.000
|
2004
|
Londrina PR
|
Utopias
da fé e realidade da política
|
5.000
|
2006
|
Vitória ES
|
Profetismo
no exercício do poder
|
4.000
|
2007
|
Nova Iguaçu RJ
|
Pelos
caminhos da América Latina, uma Nova Terra
|
4.500
|
2009
|
Ipatinga MG
|
Cuidar
da vida: espiritualidade, ecologia e economia
|
3.600
|
2011
|
Embu das Artes SP
|
Em
busca da Sociedade do Bem-Viver: sabedoria, protagonismo e política
|
3.800
|
2013
|
Brasília DF
|
Cultura
do Bem Viver: Partilha e Poder
|
+ de 3.000
|
A análise comparativa dos temas e do
número de participantes nos Encontros Nacionais mostra que o auge de
participantes se dá no Encontro de 2003, quando começa o governo Lula, com
promessa de mudanças sociais e políticas. Nos Encontros seguintes diminui o
número de participantes e os temas apontam a preocupação com o rumo daquele
governo. A temática do Bem-viver aparece
em 2011, como a indicar a busca de um projeto de transformação vindo da
periferia do mundo capitalista, enquanto a diminuição do número de
participantes sinaliza o desalento com a política.
E
agora, a terceira fase?
A proposta do Bem-viver abre caminho para outra forma de ação política, visto
que, sem desconhecer a contradição entre capitalismo e socialismo, procura
ressaltar outra, também própria do mundo moderno: a contradição entre
colonização ocidental e culturas ameríndias. Sua enorme difusão entre os
movimentos populares na América Latina está ligada à crise financeira de 2008,
que, ao abalar o sistema financeiro global, revelou a fragilidade estrutural do
capitalismo: ao substituir as relações de cooperação pela concorrência
desregrada, ele rompe os laços de solidariedade humana, corrói as relações
internacionais, mina o poder dos Estados, provoca a crise climática e destrói a
biodiversidade. Para salvar o sistema financeiro, os Estados adotam a política
de ajustes fiscais e liberam a exploração de recursos naturais, agravando,
assim, o desequilíbrio climático, energético e ecológico da Terra, como denuncia
o Papa Francisco na encíclica Laudato si´.
Nesse contexto, os povos oprimidos buscam uma saída que não sejam os “ajustes
fiscais” impostos pelos poderosos, e essa busca leva à descoberta do Bem-viver.
O MF&P
quer responder a esses desafios oriundos da crise global de 2008. Sabemos que
uma espiritualidade militante e uma sólida formação política são, hoje, tão
necessárias quanto antes, mas as propostas devem ser repensadas tendo em vista
o quadro atual. A Teologia da Libertação, que fundamenta as razões de nossa
prática política, tornou-se quase desconhecida nos quadros institucionais das
Igrejas, deixando muitos de nós sem um espaço de vivência religiosa
politicamente engajada. No campo político, vimos frustrada a aposta que muitos
fizemos no Partido dos Trabalhadores como veículo político das classes
populares, bem como a desarticulação das forças de esquerda, o isolamento dos
movimentos sociais e um crescente descrédito popular na própria política. Nem
por isso, contudo, deixamos de afirmar “as classes populares como sujeito de
sua história, na construção de uma sociedade democrática e pluralista",
como quer nossa Carta de princípios. Face a essas dificuldades, temos a
convicção de que o MF&P só terá
futuro se continuar fiel a seus princípios fundantes: a espiritualidade
macroecumênica e a opção pelos excluídos e excluídas do banquete do mercado.
Eis aqui o desafio que a realidade atual coloca ao 10º Encontro Nacional de Fé
e Política.
Para enfrentar esse desafio, o tema
escolhido para reflexão é Bem-viver: águas da solidariedade e sementes
de esperança. Com isso, queremos retornar a duas fontes de sabedoria: o
Sumak Kawsay dos povos andinos e a
resiliência das mulheres e homens do Semiárido, que transformam a morte pela
seca em vida pela solidariedade. Ao tomar por referência a sabedoria dos
desprezados pelos grandes do mundo, não podemos deixar de pensar em S. Paulo : “Deus escolheu
o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é
fraqueza no mundo, para confundir o que é forte”. (1Co,
1:27). É nesses saberes desprezados e
ignorados pelos sábios da política que buscaremos os alicerces de uma
“sociedade socialista, democrática, plural e planetária”, da qual fala a Carta de
Princípios do MF&P.
A Coordenação nacional do MF&P e a Coordenação local do 10º Encontro Nacional de Fé e Política
já estão dando a forma final do evento, como a definição do local, a
programação e o modo de inscrição. Tão logo tudo esteja acertado, será feita
ampla divulgação.
As pessoas que se interessarem em
participar podem, desde agora, iniciar a preparação, que, como foi dito,
implica bem mais do que providências práticas para a viagem. Terá maior
proveito quem desde já se familiarizar com a temática do Bem-viver. Neste sentido, e como sugestão de leitura, seguem anexos
dois textos introdutórios.
Anexo
Os textos abaixo são trechos de artigos
anteriores onde abordei o Bem-viver
1. O Bem-viver como
projeto alternativo
O Bem-viver é um conceito que visa
recriar, diante do fracasso do neoliberalismo, um antigo conceito de certas
culturas andinas como os Quétchua e Aymará. Depois de cinco séculos de
colonialismo e dominação europeia, os povos tradicionais do nosso Continente
buscaram em sua sabedoria ancestral uma proposta de vida que os ajudasse a
construir uma nova ordem social e política. No período de mobilização popular
contra as políticas neoliberais, aquele projeto de vida coletiva ganhou novo
conteúdo e nova forma, e sua força foi tanta que acabou sendo incorporado nas
Constituições da Bolívia (2009) e do Equador (2008). Isso despertou a atenção
de grupos e movimentos alternativos em outros países e foi assim que, nos
últimos anos, o Bem-viver entrou na
agenda de um número cada vez mais amplo de movimentos sociais, grupos e
pessoas.
Antes de explicar o
que é o Bem-viver, é preciso deixar
claro o que ele não é: uma volta a um passado idealizado. Os povos que viviam
neste Continente antes da colonização europeia tinham – e, de certa maneira
ainda mantêm – modos de vida muito diferentes da moderna sociedade de mercado.
Em todos eles o predomínio de relações de reciprocidade para a circulação de
bens (dar / receber / retribuir, em lugar de vender / comprar) e uma tecnologia
rudimentar (se comparada à tecnologia ocidental posterior à revolução
industrial), condicionaram a constituição de sociedades sem concentração da
riqueza, embora socialmente estratificadas conforme seu acesso ao poder
político, religioso ou cultural. Por isso, seus valores, suas leis e seus
costumes eram – e ainda são – bem diferentes dos valores, leis e costumes da
civilização ocidental-cristã. Por este motivo são conceitos inspiradores, mas não
modelos a serem imitados.
Se não é um modelo
a ser seguido, o que é, então o Bem-viver?
O conceito
refere-se a duas palavras com significados semelhantes em Quétchua e em Aymará:
suma(k) = muito bom, e kawsay ou camaña = conviver. Literalmente, deveria ser traduzida como “boa
vida”, mas sua conotação no Brasil daria confusão. Sua ideia central é a vida em harmonia (i) consigo mesmo,
(ii) com outras pessoas do mesmo grupo, (iii) com grupos diferentes, (iv) com Pachamama – a Mãe Terra (v) seus filhos
e filhas de outras espécies e (vi) com o espiritual.
Sua importância reside principalmente em sua capacidade de
romper o antropocentrismo (isto é, a
centralidade da espécie humana que se julga superior a todas as outras) que
está na base da civilização ocidental-cristã. Ora, essa civilização entrou em
crise e aproxima-se de sua agonia, por ser incapaz de resolver os grandes
problemas que gerou com seu sistema de mercado produtivista e consumista.
Levado ao paroxismo no final do século XX pelo processo de globalização, ele
está provocando graves danos à vida do Planeta e não tem como remediá-los.
A revolução neolítica há cerca de 10 mil
anos, possibilitou à espécie humana multiplicar-se e dominar outras espécies,
pela domesticação das plantas (agricultura) e dos animais (pecuária). A revolução industrial, há cerca de 300
anos, lhe possibilitou fazer da própria Terra
uma enorme reserva de recursos naturais a serem retirados, transformados,
consumidos e descartados em forma de lixo. Assim, a espécie homo sapiens reina absoluta no Planeta
mas vê, assustada, que sua sobrevivência está ameaçada. O Planeta tornou-se
pequeno demais para ela.
Neste contexto de
crise planetária, os setores de esquerda e todas as pessoas que proclamam “um
novo mundo possível” se voltam para outras fontes de saber, seja entre povos
originários da América, África e Oceania, seja na sabedoria do Oriente. De Nossa América vem a novidade do conceito
de Bem-viver, que abre novas
perspectivas éticas, econômicas, culturais e políticas. É o que veremos em
seguida.
2. Mal-estar generalizado
Vivemos neste início de século
uma sensação difusa de mal-estar mundial:
parece não haver lugar no mundo onde as pessoas vivam felizes. Não por acaso,
fala-se de crise de época como
equivalente a decadência da civilização moderna com sua ênfase na
subjetividade, na economia de mercado, nos Estados nacionais e na tecnociência.
Sente-se o esgotamento da economia de mercado que, regida pelo capital, precisa
crescer ilimitadamente e agora se vê diante dos limites físicos da Terra.
Atingiu sua culminância com a globalização
e a derrota do socialismo soviético, mas desde a crise de 2008 está em
perigo e não se vê um sistema capaz de ocupar seu lugar como organizador da
ordem mundial.
Essa sensação tem paralelo no longo século 16 (1460-1640),
quando foi criado o sistema mundo.
Foi uma época de profundas transformações econômicas, técnicas, científicas,
demográficas, culturais e sociais, mas também época de caça às bruxas (e aos hereges)
mais intensa do que na idade média. Hoje são caçados terroristas,
bandidos, traficantes e outros marginais acusados de serem responsáveis por
esse mal-estar. É como se sua morte fosse um sacrifício purificador para trazer
de volta a tranquilidade do passado. Incapaz de entender o mal-estar contemporâneo,
o mundo espera a solução mágica do ritual de sacrifícios expiatórios.
Para entender a
causa profunda desse mal-estar é preciso buscar a lógica produtivista
/ consumista do mercado. Seu primeiro grande teórico, Adam Smith, já no século
18 dizia que não é a generosidade e sim a ânsia de lucro que faz o padeiro
levantar-se de madrugada para assar e vender seu pão ainda cedo. De fato, a
economia de mercado, regida pela lei da oferta e da procura, tem como motor a
promessa do lucro. Todo empresário competente sabe que ao contratar
trabalhadores e adotar as melhores técnicas de produção e de gestão, aumenta a
oferta de bens ou serviços que, ao serem vendidos, lhe darão lucro. Esta é a
lógica do mercado: produzir para vender e vender para lucrar. O mercado é
impulsionado por esse motor e é da própria essência do mercado expandir-se,
isto é, integrar cada vez mais pessoas como compradoras e vendedoras de
mercadorias sempre mais diversificadas.
A história do
capitalismo é a história do seu dinamismo expansionista pela incorporação de um
número cada vez maior de mercadorias e de agentes econômicos – produtores e
compradores. Esboçado nas cidades do norte da Itália há cerca de oito séculos,
criou as bases do comércio mundial moderno por meio das grandes navegações e da
colonização da América, África e parte da Ásia, provocou a revolução
industrial, consolidou-se nas revoluções políticas e culturais do século XIX e
atingiu a maturidade com o processo de globalização neoliberal. Ao longo dessa
história o sistema capitalista assumiu diferentes formas – mercantilista,
liberal, imperialista, de bem-estar social e neoliberal – e passou por
diferentes centros polarizadores: das cidades italianas foi para Amsterdã, dali
para Londres e depois Nova York. Hoje há sinais de que o próximo centro
polarizador se localizará na China[4].
Essa expansão, porém, cedo ou tarde encontrará uma barreira intransponível nos
limites físicos do nosso Planeta. Seus primeiros sinais apareceram no horizonte
nos últimos cinquenta anos. Vejamos brevemente o que eles indicam.
Em diversos campos
de atividade – ciências, comunicação, política, filosofia e até teologia –
cresce o número de pessoas alarmadas pelo desgaste físico do nosso Planeta. O
foco da atenção pode ser a produção de lixo, a destruição da biodiversidade, a
degradação dos solos e das águas, a desertificação dos mares, o aquecimento
global, o esgotamento das fontes de energia fóssil, os danos à saúde humana e
animal, a exclusão social, a revolta dos excluídos, e vários outros sinais de desequilíbrio
do sistema de vida da Terra. Os estudos e pesquisas deixam cada vez mais
evidente que o principal causador desse desequilíbrio é o produtivismo
consumista da economia de mercado. Ele utiliza enormes quantidades de energia e
de matérias-primas, e gera mais poluentes (lixos e venenos) e mais gás
carbônico do que a Terra consegue absorver.
É aí que é preciso
pensar e questionar: como pode a economia crescer sempre, se a Terra continua
do mesmo tamanho? A tecnologia avançou tanto que hoje já se exploram os
recursos da Terra em locais antes inimagináveis como o petróleo na camada do
pre-sal, a 5.000 metros
abaixo do nível do mar. Mas não há tecnologia capaz de fazer a Terra crescer.
Quando transformarmos todos os recursos da Terra em matéria-prima para a
indústria, eles se esgotarão. E aí será o apagão
da economia, porque o sistema produtivista-consumista está programado para
funcionar até o esgotamento de suas últimas fontes de matéria-prima e energia.
O problema é que o
tempo da Terra não é o tempo da espécie humana: um século, que para nós é
muito, para a Terra é quase nada. Há três séculos a crescente produção
industrial vem exaurindo reservas de água, terra agriculturável, matérias
fósseis e minerais e despejando poluição nos mares, solos e ar; mas só
recentemente a Terra começa a apresentar claros sinais de perda de vitalidade.
Ainda que a produção regredisse aos índices pré-industriais – coisa impossível,
devido ao crescimento populacional – os danos já causados levariam muito tempo
(para o padrão humano) a serem reparados. Ou seja, paira sobre a espécie humana
a ameaça de uma grande catástrofe. Aí reside a fonte subterrânea do mal-estar atual.
3. O Bem-viver: proposta de mudança radical
O Bem-viver propõe outra forma de relação
com a Terra: uma relação regida pelo respeito aos seus Direitos. Em vez de
extrair / transformar / consumir / descartar, a economia pode e deve ser regida
pelo princípio do respeito à Terra. Ela é mãe generosa, mas não é rica. Somos
nós –filhos e filhas insensatas – que exploramos a generosidade da mãe, tudo
exigindo e nunca retribuindo. Mesmo adoecida e desgastada como está hoje, a
Terra continua a oferecer tudo aquilo que durante milênios produziu e conservou
em seu seio. Por conseguinte, é preciso proibir toda obra que lhe cause danos
graves, como os projetos hidrelétricos em Belo Monte e do Tapajós, a energia nuclear, os
venenos agrícolas, os alimentos geneticamente modificados e tantos outros males
que sustentam a produção capitalista.
Mais cedo ou mais
tarde o apagão dos recursos naturais
obrigará nossa espécie a viver pobremente. Podemos então nos antecipar a ele e
aprender a diminuir voluntária e planejadamente nosso consumo, e assim realizar
o que o economista Serge Latouche chama de decrescimento econômico. Não se trata de voltar a modos de vida de
séculos passados, mas sim de iniciar desde agora o processo de redução geral de
riquezas, de modo a nos prepararmos para um modo de vida muito mais simples. É
claro que este não é o projeto dos bilionários e das dezenas de milhares de
milionários que aplicam sua fortuna no sistema financeiro e que se apossam dos
bens comuns; tampouco é o projeto das antigas esquerdas que promovem o crescimento econômico para diminuir a pobreza e
reduzir os danos do sistema de mercado, como tem feito o governo federal desde
2003.
Para entender sua
novidade, convém distinguir desenvolvimento
e crescimento. Quando a criança
nasce, precisa crescer para desenvolver-se; mas ao chegar à idade adulta, para
de crescer sem deixar de desenvolver-se. Pois agora isso se aplica à economia:
chega de crescer! Podemos viver muito bem sem acumular riqueza, desde que
aprendamos a desenvolver outras capacidades humanas e nos ocuparmos com as
artes, a cultura, o campo espiritual, a sociabilidade, o esporte...
Buscar alternativas
é missão de todo pensamento, e pensamento criativo é aquele que nasce da
prática transformadora. Conhecer, debater e difundir ideias diferentes é o modo
mais seguro de evitar a privatização dos bens comuns e sua concentração nas
mãos das grandes corporações, e assim preservar para as futuras gerações os
serviços que a Mãe Terra generosamente nos tem dado.
O ponto de partida
é derrubar a falsa utopia do progresso sem fim e construir uma nova ideia-força.
Ideia que, ao mobilizar as vontades para realizar-se na história, desperta
novas energias e alimenta a esperança de uma vida longa e feliz sobre a Terra.
Isso leva a
reformular os padrões de sucesso. Ele não se mediria mais pelo PIB ou pela
acumulação de riquezas[5],
mas sim pelo grau de harmonia que se alcança nas relações com a grande comunidade
de vida da Terra. Os parâmetros de sucesso medidos pelo PIB – tão estimados
pelos possuidores de capital – são incapazes de medir a felicidade que vem da
vida em harmonia. Aí ,
e não no consumo de bens e serviços, reside a felicidade humana. Esta é uma
lição de sabedoria que os intelectuais e economistas a serviço do mercado
tentam desqualificar como ingênua, primitiva, ridícula, mas quem já
experimentou momentos de intensa harmonia sabe que eles valem muito mais do que
qualquer coisa que se compre no mercado.
Se levada a sério
como proposta para todos os âmbitos da economia – e não como solução para situações
de precariedade do trabalho – a Economia solidária poderá abrir um novo
horizonte para a resolução do velho problema econômico: satisfazer os
ilimitados desejos humanos com recursos naturais limitados. Ela não quer ser
uma política social – focada no atendimento às necessidades de pessoas
excluídas do mercado – mas uma política econômica: um modo de produção,
distribuição e consumo de bens e serviços. A economia solidária, bem
como outras experiências de trabalho cooperativo, precisa fazer a difícil
passagem do micro ao macro, porque uma coisa são os empreendimentos locais que
agrupam no máximo algumas centenas de pessoas trabalhando; outra coisa é
atender as necessidades de sete bilhões de pessoas, muitas delas com desejos
atiçados pela propaganda consumista.
Ela descortina um
cenário inteiramente diferente do que é oferecido pelos economistas do sistema,
porque ao privilegiar a lógica do valor de uso sobre a lógica do valor de
troca, o mercado se torna simples regulador entre a oferta e a procura, perdendo
o poder de gerar lucro para quem transforma dinheiro em capital. Essa teoria
de um modo de produção e consumo cooperativo parte da teoria criada por K.
Marx, que decifrou a lógica de funcionamento e reprodução do sistema, mas vai
além dela por incluir a crítica ao produtivismo-consumista.
Aqui a importância
do modelo de organização em rede: inúmeras pequenas unidades autônomas
quanto à sua gestão e articuladas entre si na consecução de projetos comuns. A
gestão de redes requer relações democráticas de poder, para que as
minorias sejam respeitadas dentro dos rumos traçados pela maioria e para que a
centralidade das decisões não reverta em organizações de forma piramidal. Elas
favorecem a implantação de uma economia solidária desde o nível micro, local,
até o nível macro – global e planetário.
O Bem-viver representa hoje um enorme
desafio ao pensamento e à prática, porque constitui uma sabedoria que bate de
frente na utopia do progresso sem fim. O Bem-viver
é ideia-força que ao mobilizar as vontades torna-se realidade na história.
Ela desperta a esperança e abre o horizonte para projetos radicalmente
diferentes.
Ela nos obriga a
repensar toda a teoria econômica a partir da inclusão da ecologia. Não é
coincidência que ambas tenham o mesmo prefixo – oikos – casa, território habitado. A primeira fala do seu estudo – logia – e a segunda das suas normas de
funcionamento – nomia – mas ambas
referem-se ao nosso mundo como habitação. Nesta perspectiva, os fatores
naturais e ecológicos não podem mais ser considerados “externalidades” ao
processo produtivo, mas bens cujo valor econômico precisa ser contabilizado.
Esta a “Boa
Notícia” do Bem-viver: podemos
continuar a viver e a nos reproduzir nesse planeta tão bonito, desde que
aprendamos a partilhar, não acumular, viver de modo frugal, apreciar os bens
imateriais (as artes, a filosofia, a contemplação, a espiritualidade), enfim,
aprendamos a construir um novo modo de produção e consumo, não regido pela
lógica da concorrência mas pela lógica da cooperação.
Conclusão
Quem pode nos
ensinar a viver nesse outro modo e produção e consumo?
Aprender com as
comunidades populares a viver com simplicidade. (Até fazer festa sem gastar
dinheiro). Não é preciso ser rico para ser feliz. “Bem-aventurados os pobres!
”. Este saber ajudará a reconstruir a sociedade humana diante da grave crise
ecológica que vai eclodir quando se esgotarem os recursos naturais do Planeta.
“Pensar globalmente
e agir localmente” significa hoje, mais do que antes, ter um pé firme na base
local, o outro caminhando para uma articulação regional, e os olhos na
articulação nacional, continental e planetária. A gestão dessa rede só será
efetiva se basear-se numa verdadeira democracia na qual o poder econômico não
tenha peso algum e as minorias sejam respeitadas dentro dos rumos traçados pela
maioria.
Como cantam as
CEBs, no refrão mais político de todo seu hinário: “eu acredito que o mundo
será melhor quando o menor que padece acreditar no menor”. Acreditar na
sabedoria que vem dos povos andinos, e romper com o pensamento arrogante dos
doutores em economia.
Esta é a Boa-Notícia: podemos ser felizes sem sermos ricos!
[1] O texto e sua
discussão foram publicados, originalmente, como suplemento de Tempo e
Presença, do Centro Ecumênico de Documentação e Informação. Em 1987,
acrescido de novos textos, saiu como livro pela Editora Vozes, de Petrópolis,
com o título Cristãos, como fazer política.
[2]
A coletânea
dos principais artigos foi publicada em 2005 por Ideias e Letras, com o título Fé e Política: fundamentos.
[3]
Muito
importante foi a criação do Centro Nacional
de Fé e Política Dom Helder Câmara, com a finalidade de incentivar a
formação no campo da Fé e Política e articular, em plano nacional, as escolas
locais. Desde sua criação, o MF&P tem sido parceiro do CEFEP, que muito tem ajudado na formação de novas lideranças
políticas cristãs.
[4] Essas mudanças
se deram sempre em meio a graves crises financeiras, sociais e políticas, e
nenhuma delas ocorreu sem provocar guerras. É preciso ter presente essas lições
da história para diminuir, o quanto possível, o inevitável sofrimento humano
que as crises acarretam. As pesquisas sobre a história do sistema de mercado
regido pelo capitalismo ganharam um enorme impulso a partir da obra de F.
BRAUDEL: Civilisation matérielle, Economie et Capitalisme, XVe -XVIIIe
siècle; Paris, Armand Colin, 3 vol, 1979 e de I. WALLERSTEIN: The
Modern World System I: Capitalist Agriculture and the Origins of the European
World-Economy in the Sixteenth Century; Nova York, Academic Press, 1974. As
crises do capitalismo foram bem analisadas por G. ARRIGHI: O longo século
XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo; Rio de Janeiro,
Contraponto; São Paulo, Editora UNESP, 1996.
[5] Basta lembrar
que a soma de todos os PIBs do mundo em 2014 é superior a US$72 trilhões. Isso dá
uma renda mundial per capita de cerca
de US$10.000 = R$38.000 (mais de R$6.000 por mês). Pequena para os ricos, mas
para a grande maioria da população humana um verdadeiro paraíso terrestre.
Belo texto, provocador e animador. Com certeza o 10º Encontro Nacional de Fé e Política vai revigorar nossas forças e iluminar nosso horizonte. Até lá!
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